segunda-feira, 17 de novembro de 2014



Minha cesariana



Um turbilhão de emoções me dominavam naquele instante. Enquanto despia-me, abandonava toda a arrogância das certezas. Não tive medo. Apenas percebi que era hora de inaugurar um novo livro todo em branco. Minha mãe me beijou e disse: "Meu bebê vai ter um bebê!" Fiquei sozinha durante doze minutos. Acompanhei o avançar das horas pelo relógio de parede que estava naquele quarto. Não tive medo, mas me senti sozinha. Uma mulher bateu na porta e entrou dizendo que estávamos no horário. Arregalei os olhos. Ela não me dirigiu o olhar pois estava mais preocupada em manobrar a maca. Chegamos em uma sala bem iluminada e totalmente asséptica. As idealizações daquele instante mágico começaram a ruir uma a uma aos poucos. O anestesista conversou comigo sobre o procedimento. Explicou-me a sua função na sala e falou que ficaria ali até o final. Depois, perguntou o meu nome e finalmente olhou para mim. Senti-me abraçada. Ninguém havia mirado o meu rosto até aquele momento. Ele notou que havia algo errado. Deixou sua posição e sentou-se ao meu lado. Segurou a minha mão e disse: "Está tudo bem?" Respondi: "Não sei." Agora, senti que o medo me invadia e indaguei sobre a presença do meu marido na sala de parto. O anestesista me acalmou. Falou que já haviam o chamado e logo ele estaria ali. Levantou-se novamente. Iniciou o seu procedimento. Minha obstetra chegou nesta hora. Disse: "Está tudo bem?" Ela não esperou a resposta e já se dirigiu até o seu lugar.  O meu marido não chegava e o meu medo aumentava cada vez mais. Eu gritava por dentro, mas não queria parecer uma menina mimada. Calei-me até a médica soltar a fatídica frase: "Vamos tirar." Naquele momento fiquei com raiva do mundo. Fiquei com raiva do meu marido que não chegava. Fiquei com raiva no momento que o meu filho iria nascer e, estar com raiva era horrível. "NINGUÉM FARÁ NADA ATÉ O MEU MARIDO CHEGAR!" Meu comunicado foi efetivo. Todos pararam para chamá-lo e minha obstetra disse que esperaria ele chegar. Ele chegou. Eu respirei, finalmente. Ele me olhou com carinho. Ele derramou sobre mim todo o amor que a minha alma clamava. Eu me acalmei naquele instante. A minha obstetra passou informações sobre como proceder se ele sentisse que iria desmaiar. Ele queria filmar o parto. Já havíamos concordado sobre isso. A médica gritou: "Olha ele aqui." Eu não pude o ver. Ouvi o seu choro e meu corpo inteiro tremeu. Apesar de toda a frieza que emanava daquele lugar, eu senti que o amor estava ali enroladinho num cobertor. Ele chegou até mim. Não pude dizer que o amava. Não pude apertá-lo bem forte em meus braços. Dei um beijo em sua testa e o levaram. Fiquei confusa e não conseguia entender mais nada. Tudo estava em câmera lenta e eu queria o meu filho comigo. 

Muitas são as estórias sobre o momento de uma cesariana. Esta é a minha experiência. Hoje, 17 de novembro, o Ministério Público realiza em São Paulo uma consulta pública para debater a violência obstétrica, os direitos de assistência à gestação no pré e pós-parto e a humanização do parto. Estarão presentes no evento organizações diversas que lutam pelos direitos da mulher, médicos e mulheres que oferecerão depoimentos singulares sobre a violência obstétrica vivida por elas. O acontecimento começará às 9h30 na rua Riachuelo, 115, Auditório Queiróz Filho. Precisamos discutir profundamente questões referentes a vida de nossas mulheres e sobre a necessidade de humanização do parto. Além, é claro, da necessidade de disseminarmos informações verdadeiras sobre o parto normal. Hoje, caminhamos na contramão mundial  e temos números recordes de partos realizados através de cesarianas.



Mulheres, amem-se mais! Homens: amem estas mulheres do jeito que elas merecem!

Um comentário:

  1. Vanessa, li seu depoimento arrepiada. Como tantas, como eu, você foi mais uma que teve este momento natural e belo transformado em um procedimento cirúrgico frio... Não deixaremos acontecer com nossas filhas e noras!

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